Árabes investem bilhões no Brasil em planta que pode virar uma “nova soja”

Árabes investem bilhões no Brasil em planta que pode virar uma “nova soja”

Planta de macaúba produz de 6 a 8 vezes mais óleo por hectare do que a soja| Foto: Leandro Lobo / Divulgação Embrapa

A pouco conhecida macaúba virou protagonista. Planta nativa das regiões tropicais e subtropicais do Brasil, também chamada de bocaiúva, macaíba, coco-babão e coco-de-espinho, a palmeira virou aposta de R$ 15 bilhões de investidores árabes para produzir em larga escala diesel verde e combustível sustentável de aviação (SAF).

A primeira fábrica de SAF a partir de macaúba começa ser erguida neste segundo semestre em Mataripe (BA) pela empresa Acelen Renováveis. A Acelen é controlada pelo fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, dono de uma refinaria de petróleo na mesma cidade.

O que seduziu os investidores foi a ausência de impeditivos ambientais, já que a macaúba é nativa e só ocupará áreas de pastagens degradadas. Não menos importante é a perspectiva de retorno econômico devido à excepcional produtividade de óleo vegetal extraído dos coquinhos da palmeira.

A espécie rende até sete vezes mais óleo por hectare do que uma planta de soja, principal commodity de exportação do Brasil. Como a soja, a macaúba também tem a virtude das mil e uma utilidades. O óleo serve para consumo humano e para a indústria química, de cosméticos e de combustíveis. A farinha, rica em proteína, pode ser incorporada à dieta humana e das criações, sem contar o aproveitamento das fibras para cordas e tecelagem, e da casca do coco como biochar – tipo de carvão vegetal que sequestra carbono e corrige o solo.

Macaúba tem atributos para virar a “nova soja”

“Acredito piamente que no futuro a macaúba pode se tornar uma outra soja para o Brasil. Quando a gente tiver pleno domínio de todos os aspectos de produção, de sanidade e segurança para quem vai investir e produzir, ela pode se tornar talvez tão importante como a soja”, afirma Maurício Antônio Lopes, ex-presidente da Embrapa. Lopes integra a equipe de pesquisa do projeto de cooperação técnica com a Acelen para viabilizar o cultivo da palmeira em larga escala.

Tanto otimismo se justifica em função da demanda crescente por óleo vegetal: “Não tem chances de o mercado de óleo vegetal regredir no mundo. Os indianos são vegetarianos e consomem muito. Na verdade, o mundo não tem óleo para prover a quem quer consumir óleo, alimento, e mais para quem precisará consumir óleo para descarbonizar setores, como a química e a energia”.

Pesquisadores vão fazer seleção genética das melhores espécies de macaúba com atributo de produção de óleo| Foto: Zineb Benchekchou / Embrapa

Enquanto os 200 mil hectares de macaúba não entrarem em produção, o que leva até 3,5 anos, a usina da Acelen na Bahia funcionará movida a óleo de soja. E consumirá nesse período o equivalente a todo o óleo de soja exportado anualmente pelo país, cerca de 2,3 milhões de toneladas. Em 2026, quando iniciar a produção, a biorrefinaria produzirá o equivalente a 20 mil barris por dia de SAF ou de diesel verde, o suficiente para movimentar uma frota de mais de um milhão de veículos por ano.

Nova cadeia produtiva pode movimentar quase R$ 90 bilhões

A Acelen mira se tornar “a maior e mais competitiva produtora de combustíveis renováveis, num modelo integrado que vai da semente da macaúba ao combustível”, conforme Victor Barra, diretor de agronegócios da empresa.

Barra sublinha que o maior desafio será o processamento do fruto para extração do óleo e o aproveitamento total das demais biomassas, para que não haja geração de resíduos, mas agregação de valor. “A domesticação da macaúba não é um projeto de uma empresa, ou nem mesmo de um país, mas um projeto para o mundo”, avalia.

Estima-se que o investimento de R$ 15 bilhões da Acelen, ao longo dos próximos dez anos, terá um efeito econômico de R$ 87 bilhões, visto que toda uma nova cadeia produtiva será criada. E já há estudos para replicar o módulo de cultivo da macaúba de 200 mil para 1 milhão de hectares.

Na primeira fase serão criados 90 mil empregos diretos e indiretos. Pelo menos 20% do cultivo virá da agricultura familiar, podendo injetar renda de até R$ 130 mil por ano para propriedades de 10 hectares que hoje têm pouca ou nenhuma viabilidade econômica.

Florestas de bioenergia no lugar de pastagens degradadas

“Quando estiver pronta, a refinaria estará no primeiro quartil das maiores refinarias do mundo. E se colocar todos os projetos em sua curva de custo, esse projeto é um dos mais competitivos do mundo em relação ao custo de produção do litro de SAF”, diz Marcelo Lyra, vice-presidente de Relações Institucionais e Comunicação da Acelen.

“E vamos fazer 100% em cima de pastagens degradadas, em função da captura de créditos de carbono nessas áreas. Estamos criando verdadeiras florestas de bioenergia”, sublinha o executivo.

Óleo da amêndoa da macaúba tem atributos semelhantes ao azeite de oliva| Foto: Vivian Chies / Embrapa

A Acelen Renováveis e a Embrapa formalizaram o acordo de cooperação técnica de cinco anos para domesticação da macaúba. Domesticar, na linguagem técnica, é fazer seleção genética e estudar o melhor aproveitamento dos frutos (casca, polpa, endocarpo e amêndoa) via processos mais eficazes para extração de óleos de alta qualidade e geração de bioprodutos.

Mesmo não domesticada, macaúba já bate a palma

Se ainda fala-se em domesticação da macaúba, não pode parecer precipitado avançar com um projeto de R$ 15 bilhões numa usina de SAF cuja principal matéria-prima ainda passar por testes e seleção genética?

“A macaúba não é desconhecida. Ela já é utilizada há muito tempo num esquema de extrativismo para produzir óleo e outras proteínas, rações e tudo mais. Nós já temos macaúba cultivada em nosso banco de germoplasma e também em experimentos em diferentes lugares, que mostram um potencial significativo. As estimativas mostram que, mesmo ainda não melhorada, a macaúba pode produzir tanto óleo como a principal oleaginosa do mundo, que é o óleo de palma”, aponta Lopes, da Embrapa.

A produção de óleo de palma, hoje, está na faixa de 3,5 mil a 4 mil quilos por hectare. Enquanto isso, as macaúbas não domesticadas já produzem de 4 mil a 5 mil quilos de óleo por hectare. Somente essa conta, isolada, já seria suficiente para “startar” o projeto.

Tanto a polpa como a amêndoa da macaúba produzem óleo, com atributos diferentes| Foto: Divulgação / Acelen Renováveis